sábado, 21 de novembro de 2009

Parashá Toledot

Lucas 12:22
22E disse Yeshua aos seus discípulos: Portanto vos digo: Não estejais apreensivos pela vossa vida, sobre o que comereis, nem pelo corpo, sobre o que vestireis.
23 A vida é mais do que o sustento, e o corpo mais do que as vestes.
24 Considerai os corvos, que nem semeiam, nem segam, nem têm despensa nem celeiro, e Deus os alimenta; quanto mais valeis vós do que as aves?
25 E qual de vós, sendo solícito, pode acrescentar um côvado à sua estatura?
26 Pois, se nem ainda podeis as coisas mínimas, por que estais ansiosos pelas outras?
27 Considerai os lírios, como eles crescem; não trabalham, nem fiam; e digo-vos que nem ainda Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como um deles.
28 E, se Deus assim veste a erva que hoje está no campo e amanhã é lançada no forno, quanto mais a vós, homens de pouca fé?
29 Não pergunteis, pois, que haveis de comer, ou que haveis de beber, e não andeis inquietos.
30 Porque as nações do mundo buscam todas essas coisas; mas vosso Pai sabe que precisais delas.
Buscai antes o reino de Deus, e todas estas coisas vos serão acrescentadas.

Essa passagem se relaciona de modo direto à Parashá de hoje, que nos conta de dois irmãos cujas prioridades eram diferentes. Esaú, homem caçador, prático, violento, sanguíneo, troca seu direito de primogenitura por um prato de lentilhas com carne preparado por seu irmão Jacó.
Dentro de nós há um Esaú e um Jacó constantemente brigando. Nosso Esaú, totalmente ligado ao 1% do mundo material, se esquece de que é no mundo espiritual que as verdadeiras batalhas e vitórias acontecem. Extremamente confiante de si mesmo e de sua força, confiante naquilo que acha que é seu por direito de nascença, por direito adquirido quando de sua entrada no mundo material, não se esforça para mover as coisas no âmbito do espírito. Esse nosso dilema constante. Invertermos a ordem em nosso interior, em nosso tempo, em nossas ações, em nossas prioridades. Trocamos constantemente nosso direito de primogenitura por um mero prato de lentilhas, quando desprezamos nosso relacionamento com o Eterno, nossa vida com Ele, nosso tempo de meditação e oração em sua presença, nosso descanso no shabat, o cumprimento das mitsvot, o estudo da Torá, trocando tudo isso por interesses momentâneos, meramente ligados ao mundo material e ao relacionamento horizontal com nosso próximo. Trocamos a busca do espiritual pela futilidade do sucesso e bem estar financeiro, esquecendo-nos de que nada disso nos trará a verdadeira plenitude e alegria, pois só poderemos ser realmente preenchidos e satisfeitos por aquilo que nos encheu e nos tornou plenos no início – a presença do Eterno, nossa união com Ele.
O trecho do discurso do rabino Yeshua fala exatamente sobre como é tola, superficial e inútil toda preocupação material – o que comeremos ou vestiremos, que, transportando para a complexa sociedade contemporânea se desdobraria em outros fatores como com que tipo de veículo deslocaremos, com o que preencheremos nossas horas de lazer e o que ostentaremos.
Ele desenvolve o texto, usando a natureza para citar exemplos de como somos realmente sustentados nesse mundo material, como tudo foi pensado e programado, arquitetado de modo maravilhoso para nos manter vivos e íntegros. Em seguida, fala claramente que se preocupar com o material na realidade é sinal de falta de fé. A fé é descrita mais tarde como a certeza das coisas que não se vêem, e esse é nosso grande desafio em tanto que seres dotados de apenas cinco sentidos que nos limitam ao conhecimento e sensação do que é material. Como inverter as coisas e ter certeza do que não se vê? Como descobrir que na realidade 2 e 2 são 5 e que é o invisível que domina o visível? Como sentir-se confiante, seguro e pleno em um mundo sobre o qual não temos o mínimo controle?
Eu costumo dizer que a lucidez sem fé é o inferno. Todos nós somos tomados por certa dose de estultícia, de burrice, de cegueira intelectual. Caso contrário, a vida se tornaria insuportável com os seus questionamentos, tais quais de onde viemos para onde vamos, por que, e, mais importante, para que estou aqui? Como atingir esse estado de fé em que o oculto se torna claro e o invisível passa a valer mais do que o que se toca à nossa volta? A resposta também se encontra no texto, assim como é indicada na Parashá Toledot. Pela ação. Buscai, antes, o Reino de Deus e todas essas coisas vos serão acrescentadas. A palavra chave, o verbo e alma da frase é buscar, que no judaísmo rabínico posterior foi substituído pela palavra estudar e que, no fundo, tem o mesmo sentido. Em quase todo tratado ou comentário à Torá se fala da importância de se estudá-la para adquirir a iluminação. Como se busca ao Reino de Deus? Estudando. Estudando o quê? As escrituras. E como se estuda? Inúmeros livros e manuais já foram escritos sobre esse tema tão importante. Estuda-se passando tempo, concentrado, ligado, absorvendo o que se ouve ou se lê. Estuda-se, dialogando com o mestre, tirando as dúvidas e colocando as questões que surgirem. Estuda-se interagindo com aquele que ensina, seja ele real ou virtual. Sem interação, todo estudo e toda busca são inúteis. Como, então, trazer para nossa realidade interior esse Reino de Deus, essa consciência do poder e da primazia do espiritual sobre o material? Pela busca, pelo estudo, pela prática. Fazendo isso, estaremos plantando em nós a certeza de Jacó, que se tornou pai de uma nação e com quem a bênção do Eterno estava: a primogenitura vale muito mais do que um prato de lentilhas, a plenitude espiritual é muito mais importante e duradoura do que a material.
Como Esaú, no texto (ele disse a Jacó: Dá-me o prato de lentilhas, senão morrerei!) nosso Yetzer Hará nos leva a crer que não podemos viver sem ele – sem a televisão cotidiana, sem as conversas no telefone e no MSN, sem os joguinhos na internet, sem a ambição e a dedicação ao trabalho que nos move e nos faz ter sucesso, sem as horas extras que nos trazem renda adicional, sem o lazer total do shabat, sem a zona de conforto... como é bom, quando se está esfomeado, um prato de lentilhas. Mas o mais incrível e que, como Esaú, queremos crer que, apesar de termos vendido nossa primogenitura, desprezando-a, ainda teremos direito à bênção de nosso pai, e nos revoltamos quando nosso irmão, que teve a visão espiritual, que se dedicou, estudou e viveu na zona do desconforto, a conquista em nosso lugar. Que nós possamos buscar e obter a lucidez com fé de que precisamos para enxergarmos, como Jacó nos ensina, como Yeshua tão claramente nos ordena, que é buscando o Reino de Deus que todo o resto – toda plenitude, que é tudo que verdadeiramente almejamos – nos será acrescentado.