sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Parashá Miketz

Perdão
José passa 22 anos longe da família, vendido pelos irmãos a mercadores, escravo e preso no Egito, tornando-se mais tarde o segundo homem em autoridade naquele país. 22 anos é muito tempo para remoer uma injustiça. 22 anos é tempo para pensar com detalhes no que fará quando os sonhos, nos quais irmãos se curvam diante dele, se realizarem. Para pensar em que atitude tomará quando os irmãos vierem e se curvarem.
Em 22 anos, o irmão vendido se torna o sub-chefe do Egito. Em 22 anos, ele se transforma no salvador, não só daquele país, mas de toda a população do entorno. A ele vêm aqueles que não se preveniram, aqueles que não tiveram a graça divina de receberem a revelação do que viria e de como se preparar. Em 22 anos, o escravo se transforma em mestre, o rejeitado em adulado por todos. 22 anos é muito tempo para tecer conjecturas sobre o que aconteceu. Sobre a vida do pai, dos irmãos. Sobre o momento da vingança. E o que vemos no centro nessa parashá é a luta interior de um homem. A intensa guerra entre ressentimento e perdão, entre vingança e generosidade. A parashá termina nos deixando em suspense quanto à decisão final de Yossef: perdão ou vingança? Generosidade ou rancor?
A parashá Mikêts fala do processo pelo qual um homem passa até se tornar capaz de perdoar, ou melhor, até que o perdão exploda dentro dele de modo incontrolável. É com muito choro e emoção que veremos na próxima parashá a reconciliação de Yossef e seus irmãos.
O processo ao qual ele os submete, a seus algozes do passado, é longo e doloroso para ambas as partes, cheio de estratagemas, mentiras e subterfúgios. O objetivo? Segundo o Midrash, descobrir se eles tinham realmente se arrependido do que fizeram no passado ou se continuavam a pensar e a agir da mesma maneira. Ou talvez submetê-los a um processo em que fossem levados ao arrependimento pelo que fizeram.
O importante é que tudo isso culmina com um perdão irrestrito e total.
Isso me faz lembrar o que Yeshua falou sobre perdão, em Mateus 18: 22:
¶ Então Pedro, aproximando-se dele, disse: Senhor, até quantas vezes pecará meu irmão contra mim, e eu lhe perdoarei? Até sete?
22 Yeshua lhe disse: Não te digo que até sete; mas, até setenta vezes sete.
23 Por isso o reino dos céus pode comparar-se a um certo rei que quis fazer contas com os seus servos;
24 E, começando a fazer contas, foi-lhe apresentado um que lhe devia dez mil talentos;
25 E, não tendo ele com que pagar, o seu senhor mandou que ele, e sua mulher e seus filhos fossem vendidos, com tudo quanto tinha, para que a dívida se lhe pagasse.
26 Então aquele servo, prostrando-se, o reverenciava, dizendo: Senhor, sê generoso para comigo, e tudo te pagarei.
27 Então o senhor daquele servo, movido de íntima compaixão, soltou-o e perdoou-lhe a dívida.
28 Saindo, porém, aquele servo, encontrou um dos seus conservos, que lhe devia cem dinheiros, e, lançando mão dele, sufocava-o, dizendo: Paga-me o que me deves.
29 Então o seu companheiro, prostrando-se a seus pés, rogava-lhe, dizendo: Sê generoso para comigo, e tudo te pagarei.
30 Ele, porém, não quis, antes foi encerrá-lo na prisão, até que pagasse a dívida.
31 Vendo, pois, os seus conservos o que acontecia, contristaram-se muito, e foram declarar ao seu senhor tudo o que se passara.
32 Então o seu senhor, chamando-o à sua presença, disse-lhe: Servo malvado, perdoei-te toda aquela dívida, porque me suplicaste.
33 Não devias tu, igualmente, ter compaixão do teu companheiro, como eu também tive misericórdia de ti?
34 E, indignado, o seu senhor o entregou aos atormentadores, até que pagasse tudo o que devia.
35 Assim vos fará, também, meu Pai celestial, se do coração não perdoardes, cada um a seu irmão, as suas ofensas.

A capacidade de perdoar vem da compreensão de que nós, e ninguém mais, somos responsáveis por tudo que nos acontece, de que nada é para mal e de que já somos objeto de graça e perdão tão grandes que não temos o direito de negá-lo a ninguém. Essa parábola mostra claramente que qualquer dívida que acharmos que nosso próximo possa vir a ter conosco não é nada comparado à nossa dívida para com o Eterno. Pois quem pode dizer que passa um dia sem errar, sem ceder ao Ietzer Hará? Quem passa um dia sem omissão, lashon hará, ira, covardia, medo, descrença, preguiça, procrastinação? Quem faz todos os dias, todos os mommentos, o melhor que pode? A capacidade de perdoar vem exatamente do que a parábola fala: da consciência de nossas próprias falhas. É através delas, olhando para dentro de nós mesmos, que entenderemos que nosso próximo é apenas um instrumento para nosso crescimento e que, perdoando-o, seremos perdoados na mesma medida. O próprio Yeshua intercede para que perdoados sejam aqueles que o crucificam na hora de maior dor: "Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem". Ele mesmo nos afirma que seremos julgados com a mesma medida que julgarmos nossos irmãos.
Em geral, temos pouca consciência sobre a importância do perdão. Não perdoando, não seremos perdoados, e não sendo perdoados, haverá separação entre nós e Deus. De modo que o principal beneficiado pelo perdão somos nós mesmos, e não aquele que é perdoado.

Yossef, o justo, faz na prática prova disso, quando entende que o perdão oferecido a seus irmãos permitiria a reunião da família, a vinda de seu pai ao Egito, a liberação de 22 anos de mágoa e de solidão. Ele tem consciência de que não foram na realidade seus irmãos que o venderam, mas o Eterno que o permitiu, em um plano maior para que toda aquela região fosse salva da fome, como ele mesmo afirma na parashá seguinte.
Primeiro, que nós tenhamos consciência de nossa dívida e do fato de que ela é sempre maior para com o Eterno do que qualquer dívida que qualquer pessoa possa ter para conosco, por maior que seja. Segundo, que nós tenhamos consciência de que, perdoando, estaremos primeiro livrando a abençoando a nós mesmos, para depois abençoarmos e liberarmos nosso próximo. E terceiro: se for difícil perdoar, que possamos pedir ajuda ao Eterno, principal interessado em que perdoemos, concientizando-nos de que todos nós, na realidade, um dia fomos um só com Ele e que um dia voltaremos a conviver sem essa ilusão de separação e antagonismo.

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