sexta-feira, 12 de março de 2010

Vaia´chel e Pecudê

Exodo 35:22
Sobre o dar

E vieram os homens com as mulheres, todos doadores de coração, e trouxeram pulseiras e aros, anéis, cintos de castidade e todo objeto de ouro;

O seguinte comentário se encontra na Tora:
A expressão Nediv Lev (doador de coração) quer dizer, na realidade, que o ato de dar deveria sair do coração. Segundo Moshe Maimonides, o grande filosofo e codificador espanhol, exitem oito graus à prática da oferta:
1- Dar contra sua vontade ou porque lhe tenham pedido
2- Dar antes que peçam
3- Dar de acordo com sua situação financeira
4- Dar mais do que permite sua situação financeira
5- Dar sabendo a quem se dá sem que ele saiba de quem recebe
6- Dar não sabendo a quem se dá, porém quem recebe sabe quem deu
7- Dar sem saber nem um nem outro quem dá e quem recebe
8- Dar a alguém os meios necessários para viver sem degradá-lo com a esmola.

Uma pessoa honesta e correta deve se esforçar para ganhar escrupulosamente o seu sustento, e só depois poderá dispor dele, distribuindo-o em Terumá, Tsedacá e Nedavot. O termo Terumá significa separar, contribuir e elevar. A torá pretende nos ensinar que, com a separação de uma parte de nossos bens para fins sagrados e caritativos, o doador eleva-se a um nível ético. Não são a fortuna e os bens materiais que fazem a felicidade humana, mas sua boa e justa aplicacao, também aquele que gostaria de dar, mas que não tem meios, e a única coisa com que pode contribuir é seu coração, a sua boa vontade de colaborar, a sal compaixão e compreensão, isso também é considerado como tsedaká. O shekel, primeiro introduzido por Moshé qunado os judeus ainda estavam no deserto, tinha por grande objetivo o Cófer nephesh, o resgate da alma, o remir-se do grande pecado do bezerro de ouro, pois o povo não hesitou em contribuir com ouro, prata e jóias, para fabricar um bezerro, não havia justificativa alguma para dispnesa-los dessa sagrada dádiva que é o shekel. Quem pretende identificar-se e quiser ser incluído na coletividade deve contribuir com sua parte, voluntariamente, de todo o coração, com entusiasmo, com alegria e com a satisfação de poder dar, e de ter algo para dar. A idéia básica de dar somente meio sheker era para nos ensinar que um judeu não se sente ligado a seu correligionário, que não procura ou não quer se identificar com sua coletividade é só meio-judeu, e um judeu mutilado e imperfeito. Isso não diz respeito somente ao judeu; a ética judaica não é e nunca será chauvinista. Um individuo para o qual odestino de seu semelhante é indiferente não passa de uma criatura mutilada, que necessita de nossa compaixão.
Isso me faz lembrar de algumas coisas que o rabino Yeshua falou sobre o dar:
O que diz o rabino Yeshua sobre ofertas?

23 Portanto, se trouxeres a tua oferta ao altar, e aí te lembrares de que teu irmão tem alguma coisa contra ti, Deixa ali diante do altar a tua oferta, e vai reconciliar-te primeiro com teu irmão e, depois, vem e apresenta a tua oferta.

O que isso quer dizer? Que não adianta o dar exterior, o dar material, se de nosso irmão estamos retendo o que de mais importante poderíamos dar a ele: nossa amizade e nosso perdão, a reconciliação e a comunhão. Mais uma vez fica aí enfatizado que tudo acontece de dentro para fora, do espiritual para o material, e não o contrário.
Em outra passagem, vemos o seguinte:

2 E olhando ele, viu os ricos lançarem suas ofertas na arca do tesouro; E viu também uma pobre viúva dar ali duas pequenas moedas;
3 E disse: Em verdade vos digo que esta pobre viúva deu mais do que todos;
4 Porque todos aqueles deram para as ofertas de Deus do que lhes sobra; mas esta, da sua pobreza, deu todo o sustento que tinha.

O que queria ele dizer com isso? Que o dar não é uma questão de quantidade, mas uma questão de porcentagem. Não importa o quanto damos, mas o quanto damos de nós mesmos em relação a tudo que temos.

Ele disse também:
Jesus respondeu-lhes: E vós, por que violais os preceitos de Deus, por causa de vossa tradição?
4 Deus disse: Honra teu pai e tua mãe; aquele que amaldiçoar seu pai ou sua mãe será castigado de morte {Ex 20,12; 21,17}.
5 Mas vós dizeis: Aquele que disser a seu pai ou a sua mãe: aquilo com que eu vos poderia assistir, já ofereci a Deus,
6 esse já não é obrigado a socorrer de outro modo a seus pais. Assim, por causa de vossa tradição, anulais a palavra de Deus.
7 Hipócritas! É bem de vós que fala o profeta Isaías:
8 Este povo somente me honra com os lábios; seu coração, porém, está longe de mim.


Com isso ele queria dizer que nunca devemos deixar a família e aqueles por quem somos responsáveis desprovidos para ofertarmos ao Eterno – ofertarmos assim é hipocrisia, porque no fundo estaremos fazendo isso por motivos egoístas – para aparecer e para alimentar nosso ego.

Cada um contribua segundo propôs no seu coração; não com tristeza, ou por necessidade; porque Deus ama ao que dá com alegria. II Coríntios 9:7
Mais acima vemos enumerados três tipos de oferta: Terumah tsedakah e nedavot:

Terumah – oferta de elevação. Ela era dada aos sacerdotes e, se fosse de alimento, podia ser ingerida por eles. O sentido hebraico não pode ser exatamente traduzido, significando para um propósito mais alto, ou uma parte de um todo maior. Na lei judaica, a terumah gedolah era associada às primícias, a primeira porção das colheitas. Apesar de não haver uma quantidade especificada na torah, uma passagem no livro de Ezequiel sugere que seria 1/50 avos do cereal, vinho ou óleo do ofertante.

Tzedaká - Tzedaká geralmente é traduzido como "caridade". A palavra tzedaká vem da mesma raiz da palavra hebraica tzedek, que significa "justiça". Compreendemos o conceito de tzedaká como justiça social. Isto implica na obrigação da pessoa em dar. Portanto é dever de cada judeu, mesmo dos carentes, praticar a tzedaká de forma regular, para ajudar os mais necessitados.
Qual a origem da mitzvá de Tzedaká? Lemos na Torá, em Devarim (Deuteronômio) 15,7-8: "Se no meio de ti houver um mendigo entre teus irmãos, numa das tuas cidades, na tua terra, que o Eterno, teu Deus, te dá, não endurecerás teu coração e não fecharás tua mão a teu irmão, o mendigo; mas lhe abrirás a tua mão e lhe emprestarás o suficiente para o que lhe faltar".
Muitos profetas e sábios diziam que os sacrifícios no Templo eram menos importantes que a tzedaká. É o caso de Isaías que critica os holocaustos que não são seguidos os e amor ao próximo e tzedaká (Is 1,11-17).
Os rabinos se preocuparam em não ofender ou humilhar o necessitado. Daí ser preferível ajudar o necessitado de forma anônima, sem ser percebido: "O Mandamento de praticar a caridade pesa tanto quanto os outros reunidos. (...) O que dá esmolas em segredo é maior que Moisés" ( Talmud, Baba Batra, 9b).
Outra questão importante: a tzedaká não deve ser dirigida somente aos judeus, mas a todos os necessitados: "A caridade não distingue raça nem credo" ( Talmud, Guitin 61 a).
Contudo, a tzedaká deve ser limitada a um percentual das posses ou rendimentos da pessoa, pois não deve haver um exagero na bondade: "Seja o homem generoso na sua caridade, mas guarde-se de dar tudo o que tem" ( Talmud, Arachim, 28 a).
Fontes Judaicas
01) Talmud Babilônico, Chaguigá 5 a
O rabi presenciou um homem dar em público a esmola de um vintém a um mendigo e disse-lhe: "Antes não tivesse dado nada do que envergonhá-lo".
02) Avot 3
Quem pratica a beneficência nada dá de si mesmo, senão de Deus. Tudo o que possuímos, de fato pertence a Deus, como está escrito no primeiro livro de Crônicas 29,14.
03) Talmud Babilônico, Baba Batra 9 b
Rabi Eliezer indagava: "O que significa a afirmativa de Isaías (29,17) Vestiu-se de justiça (tzedaká), como de uma couraça. Quer dizer que da mesma maneira que a couraça é feita unindo uma lâmina a outra, também a caridade pode realizar algo grande juntando um centavo a outro".
04) Midrash Vaikrá Rabá 14,15
"...se abrires tua alma ao faminto..." (Is 58,10).
Ainda que não tenhas nada para lhe dar, consolai-o com palavras. Diga-lhe: "Minha alma está contigo, ainda que seja a única coisa que tenho para te oferecer".
II – Maasser
A idéia de dar o dízimo é uma prática judaica, conforme estabelecido na Torá, que orienta que todo judeu separe um décimo, maasser, de seus lucros para a caridade. A fonte da lei que apóia a idéia de doar até um quinto de nossa renda está no Talmud, Tratado de Ketubot 50a.
Na perspectiva judaica, tudo o que possuímos é um empréstimo de Deus. Na realidade, tanto a colheita, como a renda monetária de cada indivíduo é um presente Divino. A Torá instituiu que um décimo da colheita, ou da renda, fosse doada. Este é um lembrete de que na realidade nenhum bem material é nossa propriedade eterna, e temos de usar o que temos agora para o bem. A Torá nos ordena dar um décimo de nossa renda líquida. Por sua vez, encontramos em outra fonte judaica que é meritório dar 20% (Shulchán Aruch, Yore Dea 249,1).

Fontes Judaicas
01) Bereshit (Gênesis) 14,19-20
E o abençoou e disse: Bendito seja Abrão do Deus Altíssimo, Criador dos céus e da terra, e bendito seja Deus Altíssimo, que entregou os teus inimigos nas tuas mãos! E Abrão lhe deu um décimo de tudo.
02) Bereshit (Gênesis) 28,20-22
E fez Jacob uma promessa, dizendo: Se Deus for comigo e me guardar neste caminho que vou seguindo, e me der pão para comer e roupa para vestir, e voltar em paz à casa de meu pai e for o Eterno para mim por Deus, então esta pedra que coloquei como monumento, será casa de Deus, e de tudo quanto me deres, certamente dar-Te-ei o décimo.
03) Vaikrá (Levítico) 27,30-31
E todo o dízimo da terra, da semente da terra, de fruto da árvore, perante o Eterno o comerás (em Jerusalém); santidade é para o Eterno. E se quiser a pessoa remir o seu dízimo, acrescentar- lhe-á a quinta parte de seu preço (cujo valor o comerá em Jerusalém).
04) Bamidbár (Números) 18, 21-24
E aos filhos de Levi, eis que tenho dado todos os dízimos em Israel por herança, em troca do serviço que eles prestam na tenda da reunião. E não se aproximarão mais os filhos de Israel à tenda da reunião, para que não levem sobre si pecado e morram. E servirão os Levitas no serviço da tenda da reunião, e eles levarão sobre si a sua iniqüidade; estatuto perpétuo pelas vossas gerações; e no meio dos filhos de Israel não terão herança. Porque os dízimos dos filhos de Israel, que separarem ao Eterno em oferta, dei aos Levitas por herança; portanto Eu lhes disse: No meio dos filhos de Israel não terão herança.
05) Devarim (Deuteronômio) 14,22-29
Certamente separarás o dízimo de todo o produto das tuas sementes, que o campo produzir de ano a ano. E o comerás diante do Eterno, teu Deus, no lugar que escolher para ali fazer habitar Seu nome; o dízimo de teu grão, teu mosto e teu azeite, e os primogênitos do teu gado e do teu rebanho, para que aprendas a temer o Eterno, teu Deus, em todo o tempo. E se o caminho te for comprido, de sorte que não possas levar por estar longe de ti o lugar que escolher o Eterno, teu Deus, para ali pôr o seu nome, pois te abençoará o Eterno, teu Deus, para teres produção abundante; então o trocarás por dinheiro, e atarás o dinheiro em tua mão e irás ao lugar que o Eterno, teu Deus, escolher. E darás este dinheiro por tudo o que desejar a tua alma – por gado, ou por rebanho, ou por vinho, ou por vinho velho ou por tudo o que te pedir a tua alma; e comerás ali diante do Eterno, teu Deus, e te alegrarás, tu e a gente de tua casa. E ao Levita que está em tuas cidades, não deixarás de dar-lhe (o teu primeiro dízimo), pois não tem parte nem herança contigo. Ao fim de três anos tirarás todos os dízimos de teu produto, naquele ano, e os depositarás dentro das tuas cidades. E virá o Levita, que não tem parte nem herança contigo (e tomará o primeiro dízimo), e o peregrino, o órfão e a viúva, que estão nas tuas cidades (tomarão o dízimo de pobre) e comerão e se fartarão, para que o Eterno, teu Deus, te abençoe em todas as obras que as tuas mãos fizerem.
06) Devarim (Deuteronômio) 26,12
Quando acabares de dizimar todos os dízimos de teu produto no terceiro ano, que é o ano em que se separa um só dízimo, o do Levita, o darás ao levita, e também darás um outro dízimo para o peregrino, para o órfão e para a viúva, a fim de que os comam e se fartem.
III - Guemilut Chassadim
A tradução de Guemilut Chassadim é difícil, mas significa "realizar atos de bondade e justiça". Este conceito é muito amplo e pode conter inúmeros outros conceitos e atitudes.
Vale a pena diferenciar Guemilut Chassadim e Tsedaká. Tsedaká (geralmente traduzido como "caridade") é o ato de dar "daquilo que você tem", já Guemilut Chassadim é dar "daquilo que você é".
A Tsedaká está limitada a um quinto das posses da pessoa (20%), já a Guemilut Chassadim é um tipo de ato de bondade para a qual "nenhuma medida de limite é prescrita" ( Peá I,1). Portanto, pode ser realizada sem limites.
Os rabinos estavam muito preocupados não apenas em melhorar as condições de vida dos pobres, senão em prevenir a própria pobreza. Além disso sabiam cuidar da sensibilidade daqueles que recebiam a Tzedaká - os rabinos desejavam poupar-lhes uma possível perda de auto-respeito.
Duas são as formas usadas para evitá-lo. Uma é a de fazer a Tsedaká em segredo. Este será o nosso próximo tema. A outra é a fórmula explicada no Talmud: "ajudar a um homem a ajudar a si mesmo". Essa forma de auxílio era um elevado grau de beneficência.
Está escrito: "Na escala da caridade, o grau mais elevado consiste em segurar um homem que está caindo, impedi-lo de cair e tornar-se uma carga para todos, oferecendo-lhe um presente, um empréstimo, a sociedade num negócio ou encontrando um emprego para ele".
Dessa forma a ajuda não humilha aquele que a recebe e este pode se reerguer.
De modo geral, Guemilut Chassadim pode conter muitos outros costumes e preceitos do Judaísmo.
Fontes Judaicas
01) Talmud Babilônico, Shabat 63 a
Aquele que empresta sem juros é mais merecedor do que aquele que dá esmolas; e aquele que investe na empresa do pobre é o mais digno de todos.
02) Talmud de Jerusalém, Peá 9,21 b
Dizia Rabi Ioná: "Não está escrito: Bem-aventurado o que dá ao pobre e sim, Bem-aventurado o que considera o pobre (Salmos 41,1) - isto é quem medita sobre como cumprirá o mandamento de auxiliar ao pobre".
Como agia Ioná? Quando olhe sucedia encontrar um homem de boa família empobrecido, dizia-lhe: "Ouvi dizer que há uma herança para vós. Levai este dinheiro adiantado, mais tarde o devolvereis". E, se o outro aceitava, o rabi dizia-lhe: "É um presente".
03) Pirkei Avot 1
De três coisas depende a existência do mundo: Torá (Lei), Avodá (Serviço Divino) e Guemilut Chassadim (atos de bondade/beneficência).
04) Avot de Rabi Natan 41,66 a
Aquele que dá esmolas faz jus a uma benção. Mas, o que empresta merece mais. E o que entrega dinheiro ao pobre, para comerciar, ou se associa a ele, é o mais merecedor.

Nedavot são as ofertas voluntárias, sem valor definido, que alguém poderia dar, além das terumá e da tsedaká, conforme o que tinha no coração.
Material consultado:
Dra. Cláudia Ferreira
Conclusão: falar sobre esse assunto é algo incômodo e complicado. Eu pessoalmente não gosto de falar nisso, mas é importante que tenhamos consciência de que ofertar é um mandamento, não só em termos individuais, mas também em termos comunitários.
Na torah está escrito que a oferta é do órfão, da viúva e do levita. Ou seja, a menor parte deve ir para necessidades internas da comunidade e a maior para assistência social. Como não temos levita aqui e todo trabalho feito é voluntário, cobrimos apenas as despesas e gastos.
Mas devemos como comunidade pensar seriamente em algum objeto de tsedaká, também para sermos abençoados e crescermos em conjunto. Tenhamos porém em mente que se não dermos com o coração, se não dermos com alegria e certeza de que, ao darmos, estamos beneficiando quem recebe e alegrando o coração do Eterno, se não dermos com a certeza de que, ao darmos, não estamos deixando a descoberto nenhuma das pessoas pelas quais somos responsáveis naquilo que lhes é essencial, se não dermos com um coração perdoador e em paz com todas as pessoas, é melhor não darmos.

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