terça-feira, 22 de setembro de 2009

Conviver é preciso e é bom

“Maimônides, o grande rabino, em seu comentário sobre a mishná, no décimo capitulo do tratdo “Sanhedrin”, faz uma exposição da tradição e da doutrina do judaísmo. Redigida para proporcionar uma resposta às dificuldades e às necessidades do povo judeu e com o intuito de preservar a unidade de seu povo, essa introdução levou Maimônides a sacrificar seus princípios liberais e a propor um quadro quase dogmático que representa, sob seu próprio ponto de vista, o verdadeiro credo do judaísmo, que pode ser resumido da seguinte forma:
1. Eu acredito plenamente que o Criador, que Seu nome seja bendito, é o Criador e Guia de todos os seres, que Ele e apenas Ele, criou, cria e criará todas as coisas.
2. Eu acredito plenamente que o Criador, que Seu nome seja bendito, é Um e único, e que não existe nada mais único do que Ele; que apenas Ele é nosso Deus, era, é e será.
3. Eu acredito plenamente que o Criador, que Seu nome seja bendito, é etéreo; ele não tem nenhuma propriedade antropomórfica, que nada é parecido com Ele.
4. Eu acredito plenamente que o Criador, que Seu nome seja bendito, é primeiro e último
5. Eu acredito plenamente que o Criador, que Seu nome seja bendito, é o único a quem é apropriado rezarmos e que não é apropriado rezar a mais ninguém.
6. Eu acredito plenamente que todas as palavras dos profetas são verdadeiras.
7. Eu acredito plenamente que a profecia de Moisés, nosso mestre, que esteja em paz, foi verdadeira, que foi ele o pai de todos os profetas, daqueles que o precederam como daqueles que o seguiram (no sentido de ter sido o maior deles).
8. Eu acredito plenamente que a totalidade da Torah está em nossas mãos e foi dada a Moisés, nosso mestre, que descanse em paz.
9. Eu acredito plenamente que essa Torah não será modificada e que não haverá outra Torá dada pelo Criador, bendito seja seu nome.
10. Eu acredito plenamente que o Criador, bendito seja Seu nome, conhece todas as ações e todos os pensamentos de todos os seres humanos, como está escrito: “É ele que amolda o coração de todos, Ele capta todas as suas ações” (Salmos 33:15)
11. Eu acredito plenamente que o Criador, bendito seja Seu nome, recompensa aqueles que observam Seus mandamentos, e pune aqueles que os transgridem.
12. Eu acredito plenamente na vinda do Messias, ainda que possa tardar, no entanto espero a cada dia pela sua vinda.
13. Eu acredito plenamente que haverá ressurreição dos mortos, no momento em que assim desejar nosso Criador, bendito seja seu nome, exaltada seja a Sua recordação para todo o sempre.

Incorporados depois à liturgia de várias populações judias, esses princípios foram recebidos com grande alegria pelas comunidades carentes, transformando-se em hinos de glorificação a Deus, cujo mais famoso é o Yigdal, de autor desconhecido, que é cantado até hoje nas sinagogas.”
Do livro Maimônides, os 613 mandamentos, tradução e biografia de Giuseppe Nahaïssi


Lendo esse maravilhoso livro, me veio a vontade de falar sobre o que me tem envolvido e me vocacionado há bastante tempo – a convivência entre todos os tipos de judeus, até mesmo os judeus messiânicos e não messiânicos.

Nosso povo vem sofrendo inúmeros e abertos ataques, gerados pelo antissemitismo crescente no mundo. Presidentes e imprensa têm minimizado genocídios no passado e terrorismo no presente, numa cegueira e parcialidade total em relação a acontecimentos e interpretações de fatos históricos.
Mais do que nunca, nosso povo precisa crescer e se unir. No entanto, o judaísmo tradicional, e principalmente o ortodoxo, vem rejeitando violentamente uma vertente que chamam de apóstata e cuja judaicidade se recusa a admitir, que vem crescendo assustadoramente nas últimas duas décadas e que já se tornou um segmento representativo do judaísmo – o judaísmo messiânico. Prova disso, o governo de Israel já aceita messiânicos em Aliah, o mercado messiânico já se tornou o maior consumidor de produtos e livros judaicos, há mais de 300 mil judeus messiânicos de origem judaica comprovada nos Estados Unidos, e o número de suas sinagogas está a pouco de se equiparar ao das sinagogas tradicionais.
Nessa versão do judaísmo, os adeptos acreditam que Jesus de Nazaré, por eles denominado Yeshua, é o messias prometido de Israel, pelo qual as outras vertentes do judaísmo ainda esperam. Os judeus messiânicos aceitam ainda o B’rit Hadashah, o novo testamento encontrado nas bíblias católicas e protestantes, em sua versão judaica, que contém quatro versões da vida e morte de Jesus, os atos dos primeiros tempos da seita dos nazarenos por ele criada e cartas de alguns personagens importantes dessa fé.
Em todo o resto as crenças são as mesmas.
Lendo o Yigdal, me dei conta da total e absoluta falta de sensatez desse cisma e rejeição. O famoso credo judaico seria idêntico ao messiânico, se apenas uma palavra fosse trocada: A palavra vinda pela palavra volta do Messias.

Impressionante como uma simples e única palavra pode fazer com que pessoas de um mesmo povo possam ser separadas por um abismo aparentemente intransponível. Impressionante como um lado, cativo em sua inflexibilidade, pode rejeitar e afastar radicalmente o outro que o fortaleceria, e como o outro lado, tomado pela fúria proselitista, pode deixar de enxergar e amar, pode perseguir e agredir aquele que se recusa a acreditar no que acreditam ser verdade.

Apenas uma palavra.

Incrivelmente interessante e triste, como a diferença de apenas uma palavra em um Credo pode criar esse abismo aparentemente intransponível. Digo aparentemente, porque aqui em Cabo Frio temos vivenciado algo diferente em nossa pequena kehilah, algo de que nunca ouvi em todo o Brasil ou mesmo no exterior. Tenho conta disso apenas nos relatos dos primórdios da seita dos nazarenos freqüentadores das sinagogas tradicionais, que, mais tarde, deu origem ao cristianismo de Constantino, que quase nada tem em comum com o do primeiro século da Era Comum.

Em uma cidade com poucos judeus e quase todos não praticantes ou de prática esporádica, judeus ortodoxos, reformistas, cabalistas e messiânicos se reúnem em harmonia em um só lugar, com uma condição – o direito de acreditarem e o direito de não acreditarem na messiandade de Jesus de Nazaré, sem que nenhum grupo tente impor ao outro sua crença nesse aspecto específico.

Os serviços e festas são celebrados ao modo judaico, a mesma chalá é comida, o mesmo vinho é bebido e as mesmas bênçãos são recitadas no kabalat shabat; o siddur tradicional é usado e os comentários da parashá são feitos em várias versões. Quem não quiser ouvir a versão do outro, tem toda a liberdade para se ausentar e só voltar no final. Sem traumas. Sem condenações. Sem preconceitos. Quem quer acreditar, que continue acreditando. E quem não quer acreditar, que continue não acreditando.

Com certeza, as críticas virão. Haverá quem se aproxime para avisar os dois lados do perigo da convivência. Dos preconceitos contra os messiânicos dentro da comunidade judaica. Da rigidez e teimosia dos não messiânicos. Mas toda interação só provoca mudanças quando não se tem convicção daquilo em que se crê.

No entanto, convivência e intercâmbio se criam. O diálogo e o amor se formam. Florescem facilmente, quando se permite. E um descobre que o outro, apesar de crer diferente, não é um bicho de sete cabeças nem oferece perigo àquele que tem convicções firmes e enraizadas. Um descobre que o outro é gente, que o outro também é judeu, que o outro também ama as mesmas coisas e crê nas mesmas coisas, e que apenas uma palavrinha em todo o credo é diferente. Descobre-se que se é um só, mesmo que o messias seja diferente. Descobre-se que o Deus é o mesmo e que é isso que importa. Para os messiânicos dessa kehilá, em número equivalente aos tradicionais, o importante não é impor a messiandade de Yeshua, mas aprender e ensinar que a convivência em amizade e harmonia é mais importante. E que ninguém precisa mudar apenas porque o outro é diferente.

Quiçá isso possa se espalhar pelo Brasil e pelo mundo, e possamos entender que apenas detalhes não podem fazer com que um povo que precisa de força e crescimento se divida em dois.

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