sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Assumindo a responsabilidade

Em Bereshit 2:6 temos um diálogo intrigante e revelador entre D-us e o primeiro casal:
6 Vendo a mulher que a árvore era boa para se comer, agradável aos olhos e árvore desejável para dar entendimento, tomou-lhe do fruto e comeu e deu também ao marido, e ele comeu.
7 Abriram-se, então, os olhos de ambos; e, percebendo que estavam nus, coseram folhas de figueira e fizeram cintas para si.
8 Quando ouviram a voz do D-us Eterno, que andava no jardim pela viração do dia, esconderam-se da presença do D-us Eterno, o homem e sua mulher, por entre as árvores do jardim.
9 E chamou o D-us Eterno ao homem e lhe perguntou: Onde estás?
10 Ele respondeu: Ouvi a tua voz no jardim, e, porque estava nu, tive medo, e me escondi.
11 Perguntou-lhe D-us: Quem te fez saber que estavas nu? Comeste da árvore de que te ordenei que não comesses?
12 Então, disse o homem: A mulher que me deste por esposa, ela me deu da árvore, e eu comi.
13 Disse o D-us Eterno à mulher: Que é isso que fizeste? Respondeu a mulher: A serpente me enganou, e eu comi.

Essa parte final do diálogo revela, segundo a cabala, a causa final da queda, da ruptura do homem, a sedimentação da separação do homem e do Eterno: além de se esconderem do Criador depois de terem comido da árvore do conhecimento do bem e do mal, tanto Adão como Eva culpam terceiros pelo seu próprio erro: “a mulher que tu me deste” “a serpente me enganou”. A cabala fala que precisamos assumir que, apesar dos outros à nossa volta também errarem e carregarem culpa, os únicos responsáveis por tudo que nos acontece somos nós mesmos. O que vivemos é o somatório de todas as nossas decisões certas e erradas tomadas na vida. Pela fuga e pelo culpar o outro pelo problema criado sedimentou-se e concretizou-se a ruptura.
Transportando-nos ao Berit HaDasha, vemos o famoso episódio da tríplice negação do apóstolo Pedro a Yeshua. Perto de onde se encontrava o rabino preso, Pedro é reconhecido três vezes como discípulo dele, e por três vezes afirma veementemente não conhecê-lo. Um erro, dir-se-ia, imperdoável.
No entanto, vemos o relato, em João 21:
Então aquele discípulo, a quem Yeshua amava, disse a Pedro: É o Senhor. E, quando Simão Pedro ouviu que era o Senhor, cingiu-se com a túnica (porque estava nu) e lançou-se ao mar.
8 E os outros discípulos foram com o barco (porque não estavam distantes da terra senão quase duzentos côvados), levando a rede cheia de peixes.
9 Logo que desceram para terra, viram ali brasas, e um peixe posto em cima, e pão.
10 Disse-lhes Yeshua: Trazei dos peixes que agora apanhastes.
11 Simão Pedro subiu e puxou a rede para terra, cheia de cento e cinqüenta e três grandes peixes e, sendo tantos, não se rompeu a rede.
¶ E, depois de terem jantado, disse Jesus a Simão Pedro: Simão, filho de Jonas, amas-me mais do que estes? E ele respondeu: Sim, Senhor, tu sabes que te amo. Disse-lhe: Apascenta os meus cordeiros.
16 Tornou a dizer-lhe segunda vez: Simão, filho de Jonas, amas-me? Disse-lhe: Sim, Senhor, tu sabes que te amo. Disse-lhe: Apascenta as minhas ovelhas.
17 Disse-lhe terceira vez: Simão, filho de Jonas, amas-me? Simão entristeceu-se por lhe ter dito terceira vez: Amas-me? E disse-lhe: Senhor, tu sabes tudo; tu sabes que eu te amo. Jesus disse-lhe: Apascenta as minhas ovelhas.


Esse é o relato do primeiro encontro de Pedro com Yeshua depois da negação. E o que Pedro faz? Simplesmente, em vez de fugir, lança-se ao mar e se joga na direção de Yeshua, na direção daquele contra quem ele errou, a quem ele traiu. Ele assume a culpa, afirma o amor pelo mesmo número de vezes em que o negou e é perdoado. Sabemos pelos relatos históricos que Pedro seguiu firme até a morte, quando foi crucificado, a seu próprio pedido, de cabeça para baixo, por não se achar digno de morrer como seu mestre.
O que isso mostra? Diante de nossos erros e nossas dificuldades, temos a opção de escolhermos uma dessas duas linhas de ação: a fuga e o culpar ao outro, ou o assumirmos a responsabilidade por nossos erros e o caminharmos de encontro à situação, para resolvê-la. Difícil? Sim. Mas a verdade é que perguntar-se: No que eu posso ter contribuído para a situação que estou vivendo? Onde foi que eu errei – e isso com seriedade e equilíbrio – em vez de focalizar a culpa do outro, em vez de se entregar à autocomiseração ou à sensação de vitimização, é a atitude mais restauradora e libertadora que se pode ter em relação a qualquer problema ou ainda a qualquer relacionamento difícil. Precisamos nos lembrar de que, no pior dos casos, no cenário mais difícil possível, ainda nos resta a alternativa de simplesmente nos retiramos da situação. E o não fazermos é opção unicamente nossa. Não o fazemos porque escolhemos não fazê-lo, e, por não tê-lo feito, devemos assumir as consequências desse fato, abraçando a situação que vivemos e sendo pró-ativos, como Pedro foi – saltou do barco e correu para a margem, ao encontro de Yeshua - e com isso foi perdoado e restaurado.
A sedimentação da queda do homem – da ruptura com Deus - aconteceu na verdade pela fuga, tanto física, se escondendo, quanto emocional – culpando o outro. Quantas vezes não fazemos a mesma coisa, com isso sedimentando ruptura com nosso próximo, ruptura com nossa paz, ruptura com nós mesmos? Que nós possamos assumir nossa responsabilidade e enfrentar todas as nossas situações, para com isso sermos perdoados e restaurados como Pedro foi.

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